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segunda-feira, 26 de abril de 2010

OS BICHOS TÊM DIREITOS

Promotor luta para criar a primeira promotoria de defesa animal do país.
Por Andrea Miramontes


O promotor de justiça Laerte Fernando Levai, de 49 anos, está a 20 anos no Ministério Público de São Paulo e persegue um objetivo que, se concretizado, pode ser um marco na defesa dos animais no País. Baseado em São José dos Campos (SP), ele recolheu 16 mil assinaturas em um requerimento pela criação da primeira promotoria de defesa animal brasileira. Especializado em Bioética pela Universidade de São Paulo (USP), Levai tornou-se vegano (pessoa que não come nem usa nada de origem animal). “Sou coerente. Não posso fechar um matadouro e continuar comendo carne”, explica. A decisão sobre a criação ou não da promotoria está agora nas mãos da procuradoria-geral do Estado, que recebeu o documento na primeira quinzena do mês.

1 – Como será essa promotoria?
Ela funcionará desvinculada da área ambiental. Em tese, hoje todo promotor tem obrigação de defender os animais, pois isso está dentro da tutela ambiental. Mas nada acontece na prática. A proposta considera todo tipo de bicho, tanto faz se a proteção vai para uma espécie exótica ou para um cavalo explorado em uma carroça.

2 – Houve também a criação da delegacia de defesa animal de Campinas (SP). O que o senhor acha disso?
Pelo que sei, é a primeira do tipo no País. Trata-se de uma iniciativa importante, pois hoje o cidadão fica perdido diante de uma situação de maus-tratos aos animais, sem saber a quem denunciar. Como autoridade pública, é nossa obrigação dar atenção aos fatos de um crime.

3 – Você mesmo recebe denúncias?

Atendo as pessoas e deixo meu telefone à disposição. Muita gente não quer se identificar, então também aceito cartas. Aconselho isso a quem quer denunciar: que escreva uma carta com o maior número de detalhes do fato, endereço, horário, nomes e entregue à promotoria. O promotor tem obrigação de agir.


4 – Mas qual o canal correto para denunciar?

Pode ser direto na promotoria ou em uma delegacia comum, na qual a pessoa faz um boletim de ocorrência. O cidadão tem que se respaldar na Constituição Federal, que protege os animais, e na lei ambiental, que considera crime o abandono e a crueldade. Há muitas reclamações de pessoas que dizem que o delegado fez pouco caso do crime, mas se a pessoa está respaldada na lei, o delegado tem obrigação de atender, caso contrário pode cometer prevaricação, a omissão. Tem que dar atenção. Geralmente quem é cruel com os animais pode cometer outros tipos de violência.

5 – Como assim?
Estudos ligam o comportamento de
crianças e jovens que cometem crueldades contra animais com um descaso contra a vida, e estes jovens se tornam adultos igualmente violentos. Atendi muitos casos de adolescentes infratores com histórico de perversidade contra animais. No interrogatório, noto a indiferença com a vida e até o deboche. Teve um rapaz de 14 anos que jogou um filhote de cachorro da ponte por sadismo e não se arrependeu. Foi chocante. Ele tinha sido pego por furto. 6 – O senhor chegou a fechar abatedouros. Como foi? O primeiro ocorreu em São Bento do Sapucaí (SP), em um abatedouro que matava animais com marretadas. Também conseguimos impedir que um frigorífico continuasse fazendo “jugulação cruenta” (corte da jugular do animal que sangra até a morte) com bovinos destinados a uma comunidade muçulmana. Para esse público, os animais não podem ser insensibilizados (procedimento em que o bicho perde a consciência antes de ser abatido). Diante das imagens chocantes a juíza proibiu o ritual na cidade.

7 – Que outros casos foram chocantes?

Teve um cavalo com uma fratura exposta na pata que foi abandonado no pasto para morrer e ficou agonizando dois dias, até que o caso chegasse à promotoria. Recolhemos o animal com a ajuda de ONGs, mas ele morreu de infecção. Não conseguimos identificar a pessoa que o jogou como um lixo. Esse tipo de atitude me revolta. 8 – Houve a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal para regulamentar o uso de animais em experimentos. O que acha disso? Sou contra, pois apenas legitima práticas cruéis. Fui o único promotor no País que já entrou com ação nessa área. Entrei contra um curso de traumatologia para médicos, um treino em que usam cães de rua. Eles quebravam os ossos dos bichos para treinar os médicos. É injustificável, pois o treinamento pode ocorrer com acompanhamento de médicos em qualquer ambulatório lotado. O curso passou por São José dos Campos e consegui proibir, mas ele ainda acontece no resto do País. Cabe a cada promotor proibir a atrocidade em sua comarca.

9 – Que dificuldades enfrenta em sua rotina?

Falta colaboração e apoio público. Propus a criação de um hospital veterinário gratuito, mas a ideia não foi acolhida. Aqui tinha tudo para virar uma cidade-modelo, mas não é. Precisa de uma mudança de paradigma, de pensamento.

10 – O senhor também já conseguiu impedir rodeios. Como foi?
Foram muitas tentativas e só conseguimos a proibição definitiva em 2004. Quando conseguia liminar, o tribunal cassava, pois há muito interesse econômico e força política. Meu objetivo não é só impedir as provas, cruéis em si, mas evitar que futuras gerações olhem isso com condescendência. É um absurdo treinarem crianças a serem desrespeitosas com a vida, fazer com que cresçam achando que torturar animais é esporte ou diversão.

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